
Eu adorava carros conversíveis. Eles tinham charme, eram chiques, davam idéia de aventura, de rosto ao vento, liberdade, glamour.
Minha história com carros conversíveis começou com o MP Laffer.
Estudava numa escola em que alguém tinha um. Como o pátio em que a máquina ficava estacionada era o mesmo do recreio, eu aproveitava pra namorar o carrinho. Adorava ficar sentada no estribo lateral, bem pertinho do meu objeto de desejo. Tudo que eu queria era crescer pra poder ter um. Achava o MP Laffer simplesmente lindo. Na minha infantil opinião, não havia carro mais bonito, pelo menos não até ser apresentada ao Del Rey, que tinha um relógio digital no teto, perto da base do espelho retrovisor (um luxo!). Mas deixa o Del Rey pra lá porque ele não era conversível.
Depois mudei de escola, fui apresentada ao Del Rey, aprendi a dirigir num jipe 1953 (só pra esclarecer, o jipe era mais velho que eu, que nasci em 1970, tá?), e o MP Laffer ficou no passado. Não que o meu gosto por carros conversíveis houvesse sido abandonado. O jipe deixou de ter capota numa certa época, pra minha felicidade; eu sonhei ter um Escort XR3, conversível, claro; e tinha uma amiga que dirigia um Bugre! Mas o meu êxtase com carros abertos aconteceu quando arrumei um namorado que tinha um Puma. O dele era dourado e fechado, mas uma vez ele foi me buscar na faculdade com o carro do pai, nem lembro mais porque. O pai também tinha um Puma, prata e ... CONVERSÍVEL! Vocês não imaginam a minha felicidade quando vi o carrão em que eu deixaria a faculdade e, claro, seria vista por um monte de conhecidos. Descer daquele carrão na porta de casa foi outro must.
Também os pumas, bugres e jipes ficaram no passado e hoje eu tenho um Corsa. Ando não apenas fechada dentro dele, mas também trancada, por medo de parar no sinal com a janela aberta e ser assaltada. De chique, meu carro popular (1.0) não tem nada. A maior aventura que encaro é deixa-lo estacionado na rua (prefiro os estacionamentos fechados e pagos, claro). Rosto ao vento despenteia o cabelo. Liberdade é poder deixar o carro em casa e pegar um táxi. Glamour é algo que não existe quando você tem que tirar os saltos altíssimos pra dirigir. Até meus cachorros adquiriram meus hábitos enclausurados. Andar com a cabeça pra fora da janela e as orelhas serpenteando ao vento, coisa que os cães costumam apreciar, é bobagem pra eles, que gostam mesmo é de ar condicionado.
Aliás, todos os brasileiros deixaram os carros conversíveis no passado. Se já é difícil impedir os ladrões de roubarem carros bem trancados, com alarmes e segredos, imaginem carros sem portas!
Até que ontem uma visão me trouxe de volta essas memórias. Eu vi estacionado na rua um MP Laffer.
Infelizmente não era lindão, como aquele da minha infância. Na verdade estava a um passo do ferro-velho. Da capota só havia a armação de metal, recolhida por trás do minúsculo banco traseiro. Por baixo do painel pendiam fios soltos. Os bancos, expostos ao sol e à chuva, estavam decrépitos. O MP Laffer da minha infância brilhava reluzente, bem encerado. O que vi ontem já tinha ultrapassado o estágio de opaco.
Isso me fez pensar como a gente muda com o passar do tempo. O que era meu sonho de consumo, hoje não atenderia minhas necessidades. Não tem ar condicionado. Não tem como ficar trancada dentro dele pra não ser assaltada no sinal. Já considero o porta-malas do meu Corsa hatch minúsculo, imagina no MP Laffer. No banco traseiro não caberiam os dois cachorros e a gata na caixa de transporte para a viagem de férias (eles todos vão junto).
É ... o jeito é deletar do HD da memória a imagem do MP Laffer de ontem e guardar apenas a do MP Laffer da década de 70, e continuar trancada no meu corsinha, com o ar ligado pra agradar os cães.